sábado, 16 de outubro de 2010

Ministro Geral OFM fala no Sínodo dos Bispos para o Oriente Médio

Intervenção do Ministro Geral OFM no Sínodo dos Bispos para o Oriente Médio

No dia 12 de outubro, estando presente o Santo Padre, o Ministro Geral, Fr. José Rodriguez Carballo, OFM, participante do Sínodo para o Oriente Médio como representante dos Superiores Gerais, fez a seguinte intervenção no salão sinodal...

Comunhão e Testemunho: o diálogo não tem alternativa

Santidade, Eminências, Beatitudes, Excelências, Irmãos e Irmãs:
Na minha intervenção farei menção ao tema central do Sínodo: Comunhão e testemunho, e a diversos números do Instrumentum Laboris do Sínodo.

“Surge do Ocidente e chega até o Oriente” [1], assim se expressa um antigo Ofício litúrgico
escrito em italiano e grego em honra a São Francisco de Assis. O mundo cristão e o mundo
islâmico estavam profundamente em oposição. No contexto da cruzada, São Francisco parte
para o Oriente. Não vai contra ninguém (expressão usada para conseguir voluntários) para as cruzadas, senão em meio a, entre, como ele mesmo diz em sua Regra (1Rg 16, 5). Não vai com as armas, nem movido pelo afã de conquista, senão com a firme vontade de encontrar-se com o outro, o diferente e, naquele contexto, com o inimigo. Antes do encontro com o Sultão, Malik AL Kamil, o Pobrezinho havia tentado persuadir os cristãos a não combaterem, predizendo a derrota. Tudo foi em vão. Ninguém o escuta. Francisco sai do acampamento cruzado e se dirige a Damietta. Era o ano de 1218. Ali tem lugar o encontro. É o encontro entre dois crentes. As barreiras caíram e os preconceitos também. Em seu lugar, levanta-se a ponte do diálogo e do respeito. E o que não foi conseguido com as armas, consegue-se com o testemunho humilde do cristão Francisco, pois como tal se apresenta.

Desde então, nós, os “frades da corda”, como são conhecidos no Oriente Médio os
franciscanos, poderão permanecer naquela terra, sem interrupção, por um plano da
Providência e por vontade da Sé Apostólica; não sem perseguições, como o Senhor mesmo anuncia e como o demonstram tantos mártires através dos séculos, construindo pontes
de encontro e derrubando os muros dos pré-juízos e dos fundamentalismos. Fazemo-lo
com os irmãos de outras confissões cristãs, entre outras formas, compartilhando o mesmo
teto e os mesmos lugares de culto, no Santo Sepulcro e em Belém. Fazemo-lo com os
seguidores do Islã, particularmente em nossas escolas, em muitas das quais a maioria
dos alunos são muçulmanos, e em numerosas obras sociais, onde acolhemos a todos, sem
distinção de credo. Em ambos os casos é o “diálogo da vida”, que não é sempre fácil, mas ao
longe, sempre o mais frutuoso. Fazemo-lo com os judeus, especialmente através do
estudo das Sagradas Escrituras na Faculdade de Ciências Bíblicas e Arqueologia de
Jerusalém [2]. É o diálogo bíblico e teológico, tão importante naquela região e
particularmente em Jerusalém. Ao mesmo tempo, custodiamos os lugares santos em nome da
Igreja Católica e cuidamos das “pedras vivas”, dos fiéis a nós confiados.

Esta é a vocação dos filhos do Pobrezinho, um dos carismas de nossa Ordem (João Paulo
II); esta é a vocação da Igreja, particularmente na terra regada com o sangue do
Redentor. O diálogo, feito encontro, não tem alternativa, tem alternativas nas relações
com outras comunidades cristãs: diálogo ecumênico [3], com as quais o diálogo se baseia na
escuta e no respeito recíproco; nas relações com o Judaísmo e com o Islã: o diálogo
inter-religioso [4], que passa pelo reconhecimento dos bens espirituais e morais que
existem nas ditas religiões (cf. NA 2), mas, segundo a metodologia  proposta por São Francisco
em sua Regra, este diálogo também passa necessariamente para a confissão da própria fé, sem
sincretismos nem relativismos, com muita humildade e sem promover disputas, confessando com a vida em todo momento a fé cristã e, quando agradar ao Senhor, também com a palavra (cf. 1 Rg 16, 6-7). O diálogo tampouco tem alternativas em relação com todo processo de paz para a região. Neste caso, os cristãos, situando-se super partes [5], buscando sempre o respeito da justiça e dos direitos de todos, particularmente das minorias. Não podemos ser
ignorados neste processo, mesmo que sejamos minoria, nem tampouco podemos calar-nos,
mesmo quando temos a impressão de que ninguém nos escuta.

Frente ao triste espetáculo (cf. Lc 23, 48) dos conflitos que se dão na Terra Santa, frequentemente se prefere uma leitura “leiga” que fala do direito dos povos que habitam aquela terra, de autodeterminação, de democracia..., evitando deste modo uma leitura mais profunda dos conflitos. Se é certo que não terá paz entre as nações sem paz entre as religiões, e não terá paz entre as regiões sem o diálogo entre as religiões, os cristãos,
particularmente na Terra Santa, somos chamados a mostrar ao mundo que as religiões, vividas na autenticidade, estão a serviço do entendimento entre os diferentes, a serviço da paz. Neste sentido, a reconciliação na região do Oriente Médio passa pelo encontro
entre as religiões, e para nós cristãos passa, em primeiro lugar, pelo encontro/diálogo entre as distintas confissões cristãs, enquanto que entre os católicos passa por uma verdadeira e profunda comunhão que vai mais além das diferenças culturais e rituais das diferentes igrejas; diferenças que, longe de ser um atentado contra a unidade, são uma manifestação da beleza da igreja católica, que vive a plena comunhão de fé, respeitando a pluralidade de expressões. Contra a idéia amplamente difundida de que as religiões estão
na base dos conflitos, particularmente nós cristãos, seguindo fielmente as orientações que nos foi dada no Concílio Vaticano II em relação ao diálogo com outras religiões, somos chamados a mostrar que a verdadeira experiência religiosa é forjar corações reconciliados e reconciliadores. De minha parte, estou convencido que a metodologia mostrada por São Francisco é plenamente atual [6].

Se isto é válido para todo o Oriente Médio, é de modo particular para a Terra Santa e para
Jerusalém. Esta, de cidade conflitiva por excelência, deve chegar a ser a “cidade da aliança”
entre os povos e as religiões, o coração do diálogo inter-religioso, e não somente por ser um
microcosmos do universo e por sua situação geográfica – na Ásia, no cruzamento do
Mediterrâneo, da África e do Ocidente –, mas também por ser o umbigo teológico do mundo e por seu grande significado teológico para o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo. Isto que parece um sonho poderá ser uma bela e messiânica realidade se recordamos que a vocação que a Cidade Santa tem na Bíblia é a de ser mãe de todos os povos, não a amante de um só
povo [7]. Em todo caso, o diálogo, sem renunciar à própria identidade, tende a alargar
o próprio horizonte até o ponto de compreender o horizonte do outro.
“Paz e justiça se abraçarão”, canta o Salmo 85. A reconciliação será possível somente se cada um dos pretendentes perdoa e abandona a pretensão de ser o único amante. Este é o
preço a pagar pela paz. “Entre ti e mim não haja disputas”, lemos na Sagrada Escritura.
Por que os filhos de Abraão esquecem a capacidade de seus pais? A paz e a vida prometidas
a Jerusalém batem à porta de judeus, cristãos e muçulmanos. É o momento de acolher ao
Deus paz, ao Adonai Shalom.

“Bem-aventurados os construtores da paz” (Mt 5,9). Para nós cristãos,
particularmente aos que habitam a Terra Santa e, mais concretamente, em Jerusalém, é o
momento de trabalhar incansavelmente pela paz, sendo pontes entre o mundo hebraico e
o mundo muçulmano. Mas esta vocação, por si só muito difícil, somente será possível se nós cristãos soubermos manter nossa própria identidade, e na medida em que trabalhemos para
reencontrar a unidade perdida de todos os seguidores do Senhor Jesus: Sem comunhão não há
Testemunho (Bento XVI).

Uma última consideração. Pelo que conheço do Oriente Médio, estou plenamente
convencido que é urgente ajudar os cristãos a reforçar sua identidade de discípulos e
missionários e, portanto, faz-se necessário uma nova evangelização que ponha o Evangelho
no centro da vida de quantos creem em Cristo. Neste contexto, faço quatro propostas:

1) Elabore-se um catecismo único para todos os católicos do Oriente Médio.

2) Leve-se a termo iniciativas concretas para uma formação adequada às exigências da nova
evangelização e da situação particular do Oriente Médio, para todos os agentes de
pastoral: sacerdotes, religiosos e leigos.

3) Em continuidade com o ano paulino, celebre-se um ano dedicado a São João em todas as igrejas do Oriente Médio, possivelmente com os irmãos das igrejas não católicas.

4) Apóie-se os estudos bíblicos, especialmente através dos três Institutos Bíblicos já
presentes em Jerusalém: A Faculdade de Ciências Bíblicas e de Arqueologia, dos Franciscanos,
L’Ecole Biblique, dos Dominicanos, e o Instituto Bíblico, dos Jesuítas.

Desejo, concluindo, que diante da constante diminuição dos cristãos na Terra Santa, este
Sínodo proclame uma palavra de alento às comunidades cristãs e particularmente
católicas naquelas terras, de modo que não se sintam sós, graças à solidariedade em favor
da Igreja mãe de Jerusalém. Seja o Sínodo uma ocasião propícia para apoiar com força
o diálogo ecumênico e inter-religioso. Do Sínodo, enfim, saia uma intensa e
confiante oração pela paz no Oriente Médio e em Jerusalém, assim como um convocação
urgente a quantos têm em suas mãos o destino dos povos do Oriente Médio e,
particularmente, da Terra Santa, para que escutem o grito de tantos homens e mulheres de
Boa vontade que clamam pela paz e respeito pela justiça.

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[1] Rico Esposo da Pobreza. Ofício litúrgico ítalo-greco para Francisco de Assis, Ed. Crítica,
Tradução e comentários a cargo de Anna Gaspari. Ed. Antonianum, Roma 1010, p. 57.

[2] A Faculdade de Ciências Bíblicas e de Arqueologia recebe, desde os anos 70 estudantes de
Igrejas orientais não somente católicas, como também ortodoxas.

[3] Instrumentum Laboris cf. n. 76-84

[4] Instrumentum laboris cf. n. 85-99

[5] Penso que neste sentido a Custódia da Terra Santa, ao ser uma entidade internacional
desde suas origens até hoje, pode prestar um grande serviço de ponte entre o povo
Palestino e o povo israelense.

[6] O Santo Padre, Bento XVI, durante sua peregrinação à Terra Santa, no dia 13 de maio de
2009, no campo dos refugiados de Ainda, Belém, recordou o caminho da “não
violência”, seguida por São Francisco como o caminho para superar o terrorismo e o
fundamentalisno. O Santo Padre falava tendo a seus ombros o muro que separa Belém e
Jerusalém.

[7] O Santo Padre, Bento XVI,sempre na peregrinação à Terra Santa, disse que
Jerusalém “é chamada mãe de todos os homens. Uma mãe pode ter muitos filhos, que
Ela deve reunir e não separar”.
Tradução: Frei Leonardo Pinto dos Santos

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